28/12/2011

Natal e ateísmo

O crescente número de ateus e agnósticos no Brasil e no mundo tem feito com que muitos destes passem a ver o Natal não mais como uma data religiosa. Seria apenas mais uma alteração num evento que já foi pagão, que tornou-se religioso por obra da Igreja Católica e, entre outras aventuras, recebeu um Papai Noel chamado Nicolau – um bispo nascido na Turquia em 284 d.C que deixava saquinhos com moedas próximos às chaminés das casas – e que ganhou as cores da Coca Cola em 1931, durante uma bem-sucedida campanha publicitária. Segundo o IBGE, o número brasileiros que declararam não ter religião no último censo, incluindo os ateus, cresceu de 1% nos anos 70 para 7,3% em 2010. O fenômeno é mundial. A American Physical Society fez uma pesquisa na Austrália, Áustria, Canadá, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia, Suíça e República Tcheca. Destes, os tchecos revelaram-se os mais religiosos, com 60%. O menor número foi encontrado na Holanda. A entidade projetou as tendências no país para 2050, chegando à conclusão de que 70% dos holandeses não terão religião na metade do século XXI. Nos Estados Unidos, o número daqueles que se identificam como cristãos teve uma queda de 10% nos últimos 20 anos, passando de 86 para 76%.

O Sul21 procurou saber como é a comemoração da data para estas pessoas. Afinal, é praticamente impossível passar ao largo da face comercial do Natal. A engenheira Rachel Zanini afirma que, para ela, o Natal foi por muitos anos apenas "decoração e gastronomia" e que nunca contestou o significado da data por viver numa família extremamente católica. A partir do momento em que pode desenvolver uma crítica interna, começou a se incomodar com os excessos religiosos da família e com os comerciais da sociedade, além da obrigatoriedade da comemoração. "Até o salão de beleza onde fui hoje estava decorado com as cores da Coca-Cola. Serviam espumante… Tudo isso pelo nascimento de Jesus?". Vou à festa da família, mas não compro presentes e só desejo boas festas aos amigos.

A dona de casa italiana Bruna Schiavone diz que, quando saiu do norte da Itália, nos anos 90, as festas eram bem diferentes. "Lá na Itália, a festividade está mais americanizada, mas no meu tempo as crianças comemoravam o Dia de Santa Lucia. Essa festa não é a mesma do Natal, nem na mesma data. As crianças recebiam doces de presente – antigamente ganhavam laranjas como desejo de saúde e necessidade de vitamina C para o inverno –, estes eram os presentes. No dia 25, havia um almoço e fim. Nada de vigília ou troca de presentes. Hoje, vejo a data como uma oportunidade de reunir a família. Não monto pinheirinhos em casa nem deixo a casa com cara de Natal".
Marshall: "Hoje, reunimos a família e eu estou proibido de fazer piadas sobre religião por causa dos mais velhos". | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

O mesmo faz Francisco Marshall. "No passado, como família germânica tradicional, cantávamos o "noite feliz", comíamos peru e mais aquele monte de guloseimas. Hoje, reunimos a família e eu estou proibido de fazer piadas sobre religião por causa dos mais velhos. Porém, como ateu programático, às vezes aproveito a deixa… No ano passado, como meu aniversário fica próximo, fiz a festa em 25 de dezembro". E os presentes? "Neste ano, só presentes dos adultos paras crianças. Não se toca no nome de Jesus Cristo, nem para o bem nem para o mal. Ou seja, é quase um ágape pagão, mas não se cogita passar em branco ou ficar em casa vendo filme. Há o peso da tradição na família". Marshall explica que normalmente há discussões sobre ateísmo nas reuniões familiares, mas que estas cessam no final do ano. "A convivência é mais importante, mesmo que o ateísmo predomine, o que é o nosso caso".

O presidente da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior, comemora tranquilamente e não se incomoda com a data. "A origem da festa não guarda o menor traço de cristianismo: é o Solis Invictus, o Solstício de inverno. Tenho uma filha de 7 anos que adora o 25 de dezembro. Nossa árvore é uma árvore de Newtal, referência a Isaac Newton, que nasceu nesta data e que descobriu a Lei da Gravidade. Ela tem maçãs, luzes e debaixo dela, um volume dos Principia (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) do autor. Os outros simbolismos – perus, renas, presentes, árvores, Roberto Carlos – , nada disso nasceu com o Natal. Estamos apenas retomando uma data pagã que foi roubada pela igreja".

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