24/01/2012

Nota da Rede Feminista de Saúde contr a MP 557

Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Posição sobre a Medida Provisória Nº 557 de 26 de dezembro de 2011
"O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política". (FOUCAULT, M. O nascimento da Medicina)
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – RFS, única articulação nacional de grupos e mulheres feministas, específica para a área da saúde e com assento no Conselho Nacional de Saúde, vem por meio desta apresentar sua posição sobre a Medida Provisória Nº 557 de 26 de dezembro de 2011 que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna, no âmbito da Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, coordenada e executada pelo Sistema Único de Saúde - SUS, com a finalidade de garantir a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade da atenção à saúde materna, notadamente nas gestações de risco e autoriza a União a conceder benefício financeiro, altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999.
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos é contrária à presente Medida Provisória – MP por motivos de ordem técnica, ética, política e conceitual.
  •  Do ponto de vista técnico e operacional a MP é desnecessária, pois já existem Leis, Normas Técnicas, Protocolos e Orientações de Serviço em vigência que contemplam todos os procedimentos de rotina, no âmbito das Unidades Básicas de Saúde, Hospitais e Maternidades, necessários para o atendimento qualificado do pré-natal, parto e puerpério;
  •  Nos aspectos referentes ao Sistema de Informações já existem diferentes formas de registro para as ações de saúde sobre qualquer usuário (a) do SUS, entre eles, das mulheres gestantes;
  •  Para a Prevenção da Mortalidade Materna foram elaboradas Estratégias, Pactos, Comitês de Morte Materna (acordadas entre especialistas e representantes da sociedade civil) em todas as esferas do SUS, bastaria que fossem aprimorados com a incorporação de todas as causas e a qualificação da atenção e funcionassem adequadamente;
  •  Para que as intenções propostas na MP sejam concretizadas o importante é o estímulo, o financiamento e o monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM. Além do mais é importante enfatizar que uma atividade focalizada dificilmente estrutura e organiza uma política baseada em princípios de universalidade e integralidade, não incorpora as questões de gênero e diversidade, e tão pouco considera os direitos sexuais e os direitos reprodutivos das mulheres, (um explícito descumprimento dos acordos internacionais firmado por nosso país). Estes são componentes indispensáveis de toda e qualquer política destinada a assegurar o direito das mulheres a uma vida saudável, sem violência e coerção.
  • O propósito enfático de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, na realidade, pode ocultar compromissos internacionais firmados sob a égide dos ideários neoliberais contrários e hostis às políticas de Estado universais e democráticas;
  •  Entendemos que para atingir os ODM é necessário investir, decididamente, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, e somente após definir, claramente, as linhas programáticas focalizar a prevenção da morte materna. Isto porque a melhoria da saúde materna e a redução da mortalidade materna em dois terços até 2015, é o único ODM que não se conseguiu atingir.
  • Consideramos que há premente necessidade de retirar a MP para que possa ser revista e reformulada após discussão com o movimento feminista e de mulheres.
  •  Sabemos que é inevitável, por razões óbvias, que as ações previstas na MP se darão no âmbito do SUS. No Brasil, até onde se sabe, existem duas redes de prestação de assistência à saúde, a Pública e a Privada. Salvo se nos dias de hoje devido à forte influência político-ideológica do pensamento fundamentalista esteja se estruturando alguma rede espiritual, (de cunho religioso) que escape ao controle social dos usuários e usuárias do SUS.
  •  Outra questão preocupante é a criação de Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento das Gestantes e Puérperas de Risco, no nível local. Comissões desse tipo poderão invadir a privacidade das gestantes, consistindo numa versão, com recorte de gênero, das polícias sanitárias do século XIX.
  •  Considerando que o país é todo dividido em áreas e territórios devido à Estratégia de Saúde da Família – ESF é possível imaginar que as mulheres que, por qualquer razão faltarem à consulta agendada do pré-natal, no dia seguinte terão sua casa visitada, além de agentes de saúde, por integrantes da mencionada comissão local. (Comissão esta provavelmente constituída por pastores evangélicos, pastorais, cabos eleitorais de vereadores, agentes comunitários, clubes de mães, entre outros) fiscalizando porque ela não foi à consulta. Claro que isso é só um exercício virtual sobre possíveis cenários futuros aos quais as gestante brasileiras serão submetidas. Uma situação desumana e eticamente inaceitável.
  •  É importante salientar que na prática, a formulação desta MP apresenta a gestação como uma espécie de "doença de notificação compulsória", como uma epidemia de doença transmissível a ser controlada e não um evento de saúde reprodutiva para o qual devem ser assegurados os cuidados para que seja vivido de forma segura e prazerosa.
  •  É evidente que essa vigilância e "cuidados" visam refrear e reprimir a possibilidade da gestante optar por um aborto, no entanto, em nenhum momento esta causa determinante de morte materna é referida no texto.
  • Outra anomalia e inconstitucionalidade é a inserção no texto da MP da figura do nascituro, admitindo direitos de cidadania a uma expectativa de cidadão. E a cidadã real e existente torna-se refém do serviço de saúde e/ou da polícia.
  • Poderíamos, ainda, listar e comentar inúmeras questões que ficaram pouco explícitas e/ou ambíguas. Poderíamos referir o rico histórico das lutas pela saúde da mulher.
Lembrar que essa trajetória nos remete a 1983 quando da elaboração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM, a superação da política Materno-Infantil e que agora, para nossa surpresa e desencanto, reaparece num conjunto de iniciativas que encobrem o retrocesso mediante estranhas denominações e um forte cunho policialesco.

Em decorrência dos questionamentos por nós formulados restam algumas perguntas:
1. Por que alterar a Lei 8080/90, não seria melhor cumpri-la?
2. Por que tantas iniciativas pontuais e restritivas? Não seria melhor formular o Plano Nacional de Saúde, submetê-lo ao Conselho Nacional de Saúde, respeitar e acatar as diretivas das Conferências como preconizam as Leis nº 8080/90 e nº 8142/90?
Entendemos que esse é o momento de propor que haja um amplo e objetivo diálogo com o Exmo. Senhor Ministro da Saúde e sua equipe para que possamos debater e sugerir medidas viáveis, éticas, administrativas, legais e sócio-sanitárias, compatíveis com a saúde das mulheres e as políticas públicas defendidas pelo conjunto dos movimentos feminista e de mulheres.
Florianópolis (SC), 19 de janeiro de 2012

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