22/12/2011

Relato Conferencias - por Eide Paiva

Prezadas(os)

No período de 12 a 15/12 e 15 a 18/12, aconteceram em Brasília a III Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres e a II Conferência Nacional LGBT, espaços de participação cidadã, de discussão de políticas públicas para promoção de igualdade de direitos das mulheres, das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais.
Eu tive a honra de participar dessas Conferências como Delegada da Sociedade Civil, representando a LBL- Liga Brasileira de Lésbica, “uma expressão do movimento social, de âmbito nacional, que se constitui como espaço autônomo e não institucional de articulação política, anti-capitalista, anti-racista, não lesbofóbica e não homofóbica e de articulação temática de mulheres lésbicas e bissexuais, pela garantia efetiva e cotidiana da livre orientação e expressão afetivo-sexual”. A LBL assim apresentada em sua Carta de Princípios, que assinei a pouco mais de um ano, é um movimento que se soma a todos os movimentos sociais que lutam e acreditam que um outro mundo é possível.
Cheguei em Brasília cheia de expectativas, desejando rever minha cidade, (re)encontrar pessoas queridas, fortalecer o protagonismo das lésbicas e das mulheres bissexuais. Cheguei comprometida em apresentar e defender as propostas da delegação da Bahia, construídas ao longo das etapas municipais, territoriais e estadual. Também cheguei com o propósito de construir novos diálogos, novas articulações e, sobretudo, com desejo de apreender as “lesbianidades baianas em movimento”, sujeitos da pesquisa que desenvolvo no DMMDC.
Mas, durante o processo das referidas Conferências, as lesbianidades baianas observadas se misturaram a tantas outras, o todo superou as partes e o grande protagonismo veio do coletivo de lésbicas de diferentes Estados. "Juntas e misturadas",  os diferentes “Eu” não hegemônicos, isto é nós, lésbicas que participamos das Conferências, nos organizamos, deixamos de lado nossas divergências pessoais/políticas e nos constituímos um só coletivo no enfrentamento e superação dos muitos desafios que vivenciamos.
Na conferência das Mulheres, para minha surpresa, além de racismo, denunciado em plenária, houve lesbofobia revelada em grupos de mulheres que desejaram a separação de banheiros para lésbicas; que se recusaram a dormir no mesmo quarto com lésbicas. Isso é tão surreal que não parece verdade. Mas, é real. Presenciei a lesbofobia no  GT 06 – Autonomia Pessoal, onde a relatora fez uma intervenção lesbofóbica no momento em que eu e outras duas lésbicas discutíamos a importância do debate sobre a lesbofobia e a transfobia. A relatora do grupo, cujo nome não me lembro, autorizada pelo heterofeminismo, disse que as lésbicas e as mulheres trans deveriam apresentar suas demandas na conferencia LGBT, pois a conferência das mulheres é específica para mulheres. Eu fiquei chocada com a tranquilidade da relatora que parecia não se dar conta do que estava dizendo. O preconceito e a falta de solidariedade do heterofeminismo são elementos por demais conhecidos, denunciados e questionados pelos movimentos de lésbicas. Mesmo assim, confesso que me surpreendeu.
Mas as lesbianidades em movimento nessa conferência não deixaram por menos. Fiquei muito orgulhosa do meu grupo, consequentemente de mim mesma, com o nosso protagonismo na Conferência de Mulheres. Com êxito, garantimos a manutenção do Eixo 9 - Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia , como uma prioridade no III PNPM;  também defendemos e garantimos a LEGALIAZÇÃO do ABORTO.  Para mim foi um lamento ver/ouvir na Conferencia de Mulheres feministas históricas, que até então protagonizavam a defesa da legalização do aborto, pactuando com o governo, preterindo as lutas das mulheres.
Na Conferência LGBT o protagonismo das lésbicas negras e não negras não foi diferente. Todo o processo foi encantador, muito embora tenha sido tenso em muitos momentos. Me emocionou os pactos feitos entre lésbicas durante uma reunião ampliada, convocada pela LBL, que reuniu a grande maioria das lésbicas e mulheres bissexuais que lá estavam. Da mesma forma, me encantei com o protagonismo e com a alegria das  travestis e dos homens trans. O que não me surpreendeu foi a ausência das(os) Bissexuais, que não se posicionaram, muito embora tenha havido calorosas discussões sobre “bifobia” em quase todas as diretrizes/propostas aprovadas. No GT de Educação, no momento desse debate, éramos 4 da Bahia: três lésbicas e um gay. Questionamos entre nós, ouvimos atentas(o) o questionamento de quem ousou questionar publicamente: em que momento o/a bissexual vivencia a fobia? A bissexualidade é, de fato, uma identidade política? Reconheço os meus limites em relação a essa questão, mas me permito a escuta e novos aprendizados. Minha expectativa é que o movimento LGBT da Bahia possa  construir outras oportunidades para discutir esse assunto.
A grande novidade conceitual que emergiu na Conferência LGBT foi o termo “capacitismo”, que expressa discriminação contra  pessoas deficientes. Esse termo foi apresentado por uma pesquisadora lésbica com deficiência, que nos convidou a ousar, a aceitar e incorporar esse novo terno às diretrizes propostas pelas(os) delegadas(os). A plenária se permitiu aceitar o novo, foi solidária. O enfrentamento ao capacitismo agora é compromisso, da mesma forma que é compromisso a defesa do texto original do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122, que combate a homofobia.
Após uma semana respirando, de forma afetiva e efetiva, tantas discussões políticas no âmbito dos Direitos Humanos, concluo esse relato reiterando o que eu disse em outros espaços: saio do processo de construção das Conferências de Mulheres e LGBT com a certeza de que outra forma de fazer política é possível e necessária. Como bem coloca um dos ativistas LGBT da Bahia, o Gésner Braga, se todo o trabalho que tivemos desde as conferências territoriais tá valendo, se as diretrizes/propostas aprovadas vão ser levadas em conta, realmente não sabemos.  O que eu sei, o que está pactuado entre nós é que de braços cruzados eu/nós, movimento LGBT, não vou/vamos ficar”. Estou/estamos em movimento com aquelas(es) que se dispõem a construir/garantir o nosso plano “Bahia sem homofobia”. Minha expectativa é contar com as(os) colegas das universidades baianas, sobretudo com o NUGSEX-DIADORIM -Núcleo de Gênero e Sexualidades da UNEB, e com o  DMMDC -Doutorado Multidisciplinar e Multiinstitucional em Difusão do Conhecimento,  nesse desafio.
Um abraço lésbico feminista com votos de boas festas e feliz ano novo. Que venha 2012.
Aproveito para agradecer publicamente às/aos "amigas/amigos para sempre", que foram solidárias e compreenderam o meu impedimento de participar da apresentação do nosso trabalho de grupo na disciplina "Sistemas de representação do Conhecimento". Obrigada Stopilha, Ana, Marcia, Josete, Rubens e Chico. Valeu o apoio.
Eide Paiva
Ativista da LBL-BA

Um comentário:

Aline disse...

Ótimo relato! Impressionante a discriminação contra lésbicas e trans numa conferência (que deveria ser) feminista!