29/09/2015

APAGÃO HISTÓRICO

Juristas e especialistas consideram fusão ministerial “apagão histórico”   

(Agência Patrícia Galvão, 25/09/2015) O Instituto Patrícia Galvão ouviu juristas, especialistas, pesquisadores e ativistas sociais sobre a reforma ministerial que pode extinguir as secretarias de Políticas para as Mulheres, Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Direitos Humanos. Em nota divulgada ontem, após vir a público a reunião ocorrida entre a presidenta Dilma Rousseff e as/o ministras/o das três pastas, o Palácio do Planalto confirmou que o anúncio das mudanças no primeiro escalão do governo será feito na semana que vem. A perspectiva é que SPM, Seppir e SDH sejam fundidas no denominado Ministério da Cidadania, que assumiria também funções hoje sob responsabilidade da Secretaria Geral da Presidência, como a Secretaria Nacional da Juventude.

“Cegueira de gênero”, Silvia Pimentel

Expert do CEDAW-ONU (Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da Organização das Nações Unidas), a jurista Silvia Pimentel fez duras críticas à possibilidade de fusão das pastas. “É uma verdadeira cegueira de gênero do governo brasileiro não enxergar que as mulheres e meninas têm o direito a um olhar diferenciado do Estado e a políticas muito atentas, que levem em consideração as suas especificidades. Homens e mulheres são diferentes não só biologicamente, mas em sua inserção na sociedade. Só a atenção consciente às diferenciações sociais, políticas e econômicas é que vai assegurar condições igualitárias a homens e mulheres efetivamente. Além disso, simbólica e politicamente, isto é um retrocesso, porque ainda não alcançamos essa igualdade”.

Integrante do Comitê Consultivo do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), a jurista – que é uma das maiores autoridades em direitos das mulheres em nível internacional – ressalta ainda que “as recomendações do mais alto Comitê da ONU para os direitos das mulheres colocam como um ponto chave, para todos os países integrantes do Sistema ONU, que o órgão nacional responsável pela implementação de políticas públicas para efetivar os direitos das mulheres tenha nível ministerial, em função do status político necessário para efetivar a transversalidade e a intersetorialidade no desenvolvimento destas políticas públicas”.


“Um apagão histórico na defesa dos direitos das mulheres”, Valéria Scarance

A promotora de justiça do Ministério Público de São Paulo Valéria Scarance considera a fusão “um apagão histórico na defesa dos direitos das mulheres. Há mais de uma década a SPM, devido ao status de ministério, vem promovendo a integração entre os diversos setores que atuam na defesa das mulheres, especialmente com o Ministério Público. Foram desenvolvidos vários trabalhos relevantes nesse processo de integração, como a adaptação das diretrizes para investigar e processar feminicídio, o acompanhamento de projetos de lei, a Campanha Compromisso e Atitude – que é hoje responsável pela união de todos os atores que compõem o Sistema de Justiça. A Secretaria representa, histórica e simbolicamente também, a relevância da pauta da defesa das mulheres e do reconhecimento da cidadania às mulheres. Incorporá-la a um ministério enfraquece a defesa das mulheres, essa integração dos serviços e instituições, e torna incerto o destino das políticas públicas para as mulheres em nosso país. É uma decisão autoimune, em que o governo ataca justamente o sistema de proteção das pessoas”. A promotora coordena a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid) do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG).


“Não podemos dar um passo atrás”, Ben-Hur Viza

Juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Ben-Hur Viza avalia que a fusão pode ser uma necessidade diante de um cenário de crise e da exigência de tomar medidas para assegurar as metas de crescimento do país. No entanto, também aponta que “essa fusão vai trazer um prejuízo para o enfrentamento à violência contra as mulheres, porque torna as coisas mais burocráticas”. E, diante dos avanços nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, o magistrado aponta que “o governo vai ter que se posicionar sobre se a política para as mulheres é de fato uma prioridade. Hoje a prioridade tem sido o enfrentamento à violência, e acredito que essa fusão vai trazer um retrocesso. Não podemos dar um passo atrás em relação a essa política e deixar isso se perder”, afirma. Ben-Hur Viza é coordenador do Centro Judiciário de Resolução de Conflitos e Cidadania da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CJM/DF).

“É o fim dos tempos”, Jurema Werneck

Para a médica Jurema Werneck: “Só levantar essa possibilidade já é um retrocesso em relação às lutas que temos feito desde a Constituição de 1988. E, num governo que deve muito à tradição de esquerda e às lutas dos movimentos sociais, é chocante. Se isso se concretizar vai sacramentar uma grave ruptura dos partidos do governo, e do PT em particular, com aqueles sujeitos que os levaram ao Planalto. Foram nossas lutas que possibilitaram a eleição da presidenta, porque nem sequer a luta contra a ditadura colocava a pauta de igualdade de gênero e igualdade racial. Sinceramente, eu considero uma traição, um rebaixamento da pauta dos direitos humanos, da igualdade racial e de gênero. Entregar Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos é o fim dos tempos. A conjuntura não pode implicar abandonar completamente os princípios fundamentais das lutas dos movimentos sociais”. Ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde e coordenadora da ONG Criola, Jurema também integra o Grupo Assessor da ONU Mulheres Brasil.

“Conclamar a sociedade pela manutenção das secretarias”, Silvana Conti

Silvana Conti, representante da Liga Brasileira de Lésbicas no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, diz que, em meio ao “tsunami conservador” em que vivemos, “consideramos essa fusão inaceitável, porque é um desmonte de estruturas administrativas de controle social e de diálogo entre o governo e sociedade civil. Diante dessa crise não é aceitável que nós dos movimentos sociais compactuemos com uma decisão como essa. Acreditamos que é o momento de avançar e continuar aprimorando a gestão pública, para a construção e pavimentação da cidadania do povo brasileiro. Para fazer frente a esse tsunami, só avançando e mantendo as estruturas existentes. Temos que conclamar a sociedade para fortalecer o país e o Estado Democrático de Direito, pela manutenção do status de ministério das secretarias, porque são conquistas históricas”.

“Um grande retrocesso”, Ana Paula Meirelles

A coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado de Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo, Ana Paula Meirelles, relatou ao Instituto Patrícia Galvão a insatisfação da equipe com a notícia. “Enxergamos essa fusão como um grande retrocesso, tanto para o movimento de mulheres quanto para o das pessoas negras, porque isso faz com que se perca toda a força que se conquistou até hoje, que a luta seja desvalorizada. Percebemos que haverá uma redução dos investimentos nas políticas voltadas para essas minorias. Não tem como ser diferente, porque fica evidente que haverá uma redução orçamentária, de investimento em políticas públicas para as mulheres e para as questões de racismo e combate à discriminação”. A defensora destaca ainda que, “neste momento é importante, pelo menos, o desafio é manter o orçamento que já foi destinado para as secretarias, para que não haja uma redução, porque se esse corte vier não será possível manter e continuar avançando naquilo que já conquistamos”.

“É fundamental resistir a essa mudança”, Flávia Piovesan

“A SPM, a Seppir e a SDH foram avanços extraordinários para a institucionalidade democrática, no sentido de fortalecer a dimensão de gênero, a diversidade étnico-racial e os direitos humanos, a fim de que esses vetores pudessem impactar marcos legislativos e políticas públicas. Clamo para que seja repensada essa decisão, para que não haja recuo e retrocesso em ganhos tão fundamentais para a sociedade brasileira. Não há democracia sem a prevalência dos direitos humanos, e o Brasil deve se orgulhar de ter uma institucionalidade referencial na área. Quando você tem secretarias específicas voltadas para as mulheres, diversidade étnico-racial e aos direitos humanos, permite ao gestor e gestora pública que, de forma detida, possa avaliar as políticas públicas, reconhecendo os vazios, identificando as prioridades, impulsionando medidas protetivas e enfrentando retrocessos. É fundamental resistir a essa mudança”. É o que aponta Flávia Piovesan, procuradora do Estado de São Paulo e integrante do Grupo de Trabalho da Organização dos Estados Americanos para o monitoramento do Protocolo de San Salvador.

“‘Cidadania’ não dá conta de todas as especificidades”, Débora Diniz

A antropóloga Débora Diniz, professora da​ Faculdade de Direito da​ Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, ressalta que o conceito de cidadania não dá conta de toda as especificidades dos grupos vulneráveis a violações de direitos decorrentes da estrutura socio-histórica em que vivemos. “O conceito de cidadania é importante, reconhecido pelos movimentos feminista e antirracista como fundamental para os direitos sociais, mas a história dele foi de uma abstração que não foi capaz de representar as particularidades dos grupos minoritários. Nosso desafio é que esses anos todos de conquistas – de nomear os direitos das mulheres e das populações negras – não venham a ser esquecidos pelo retorno a um princípio-valor universalista, com o qual concordamos, mas que historicamente não foi capaz de nos representar. Esse será nosso principal agendamento e estaremos aqui para lembrar isso”.

“Ao menos uma mulher com expertise nas áreas sob coordenação da nova pasta”, Jacira Melo

“A presidenta Dilma Rousseff pode até pensar que não dá para sacralizar estruturas. Contudo, o que está em jogo, presidenta, não é apenas uma mudança de estrutura, uma fusão de secretarias. O que realmente pesa é o impacto que essa mudança abrupta terá sobre o desenvolvimento das políticas públicas que tratam de direitos sociais das mulheres, desigualdade racial, diversidade sexual e direitos humanos. Certamente nenhuma das áreas terá a prioridade que tem hoje, ainda mais se a titularidade do ministério for definida em mais um arranjo baseado em interesses político-partidários e não pelo critério da expertise com as temáticas a serem tratadas. A expectativa é que, ao menos, seja uma mulher à frente desse ministério, e com expertise e conhecimento nas áreas que estarão sob sua coordenação”, ressalta Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.



 
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