28/10/2013

Justiça de El Salvador trata aborto espontâneo como homicídio


PROIBIÇÃO TOTAL

País com uma das mais duras leis contra o aborto do mundo, El Salvador registra casos de mulheres que sofrem abortos espontâneos, por vezes sem saber que estavam grávidas, e são condenadas por assassinato pelo Judiciário local. A legislação entrou em vigor em 2009 e continua a receber apoio de grande parte da população, especialmente entre integrantes de grupos religiosos. Neste período, não houve qualquer tentativa de relaxamento ou revogação da lei por parte do governo. As informações são do portal UOL.

A proibição total do aborto data de 1998, ano em que foi proibida qualquer exceção, incluindo casos de estupro e problemas de formação do bebê. Além de El Salvador, o aborto é totalmente proibido em Honduras, República Dominicana, Nicarágua e no Chile. Uma pesquisa do Grupo de Cidadãos para a Descriminalização do Aborto mostrou que, entre 2000 e 2011, a Justiça de El Salvador condenou 49 mulheres pela prática de abortos, das quais 26 foram consideradas culpadas de homicídio, com penas variando de 12 a 35 anos. Em 2012, os registros indicam ao menos mais sete condenações.

Uma vítima da restrição extrema é a jovem Glenda Xiomara Cruz, de 19 anos. Em outubro de 2012, ela foi levada a um hospital com forte dor abdominal e sangramento. Após ser atendida, ela recebeu dos médicos a informação de que estava grávida — em maio, um exame de gravidez deu resultado negativo — e que tinha perdido o bebê, com tempo de gestação entre 38 e 42 semanas. O hospital a denunciou à polícia por aborto e, quatro dias após perder o filho, ela foi indiciada por homicídio doloso.

Transferida para uma penitenciária feminina na região metropolitana de San Salvador, ela aguardou julgamento até setembro deste ano. O juiz, então, decidiu que Glenda poderia ter salvado a criança, e a condenou a dez anos de prisão, pena inferior aos 50 anos que a acusação pediu. Advogado da jovem, Dennis Muñoz Estanley afirmou que ela é mais uma vítima de um sistema que condena mulheres a partir de um pressuposto de culpa. O defensor informou que o sistema é discriminatório por condenar mulheres com complicações durante a gravidez com base em provas muito fracas.

De acordo com o estudo do Grupo de Cidadãos para a Descriminalização do Aborto, as mais de 200 mulheres denunciadas têm pouca instrução, são extremamente pobres e, normalmente, solteiras. As denúncias partem de funcionários de hospitais públicos, o que explica a razão de nenhum processo por aborto ter começado no sistema privado de saúde do país latino-americano. Outro caso que serve como exemplo é o de Maria Teresa Rivera, de 28 anos.

Ela também diz que não sabia que estava grávida e não sentiu qualquer sintoma até sentir dor súbita e sangramento, no ano passado. Maria Teresa procurou um hospital público e foi denunciada à polícia por funcionários do hospital. Mesmo com provas fracas de que teria induzido o aborto, ela foi condenada a 40 anos de prisão por homicídio doloso. A base utilizada pela acusação foi o depoimento de uma amiga da mulher, que ouviu ela dizer, 11 meses antes do aborto, que poderia estar grávida.

Morena Herrera, do Grupo de Cidadãos para a Descriminalização do Aborto, afirmou que as condenações acabaram inibindo as mulheres pobres, que deixam de procurar ajuda em casos de complicações durante a gravidez. Dados coletados pelo Ministério da Saúde em 2011 indicam que o suicídio foi a maior causa de morte entre meninas e adolescentes de 10 a 19 anos, sendo que em metade dos casos a jovem estava grávida.

Revista Consultor Jurídico, 21 de outubro de 2013

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