24/05/2012

O ESTADO LAICO E A POPULAÇÃO LGBT

 
                            O ESTADO LAICO E A POPULAÇÃO LGBT
                                                                                                        
                                                                                         ROSELAINE DIAS*
 
 
            A história  nos mostra que estamos tratando de busca recente por dignidade às pessoas e o
exercício de cidadania, pois o referencial de Direitos Humanos proclamado em 1948, mostra-se
ainda incipiente frente às violações freqüentes no mundo. Violações essas que nos foram "...legadas
e transmitidas pelo passado"(Marx, 1987), e que ainda, circundam o cotidiano de vida de milhares
de pessoas no mundo, como foi o caso da Marroquina de 16 anos, que suicidou-se, em 25 de março
do corrente, após ser obrigada a casar com seu estrupador, pois a lei daquele país assim o permite.
Marx em O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte escrito em 1869, publicado no Brasil em
1987, afirma que "os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre
vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que se
defrontam diretamente..."(pág. 15).
Nessa perpectiva histórica, desejo relacionar a luta por direitos da população de lésbicas,
 
gays, bissexuais e transgêneros no Brasil frente á instituição do Estado laico. Demanda que tem
movido algumas organizações da sociedade brasileira, nesse momento, em especial, a gaúcha,
transitando por esse reconhecimento histórico, que tem a tradição como uma de suas premissas.
Em 1895, o senador pela Bahia, Rui Barbosa assina a Constituição do Brasil, referendandoo
como Estado laico, nesse momento, cumpria o legislador com o preceito republicano "cujo poder
se imaginava emanar do povo, e não de Deus, pois a República instituiu o voto universal"
(Sottomaior, 2012). Passaram-se cento e dezessete anos e estamos enfrentando resistências á
proposição da retirada de crucifixos das repartições públicas no Estado do Rio Grande do Sul,
conforme Sottomaior( 2012) estamos provocando as tradições, essas mesmas que justificam nossa
história. Como citou Marco Aurélio Weissheimer(2012) "fica difícil saber o que está incomodando
mais o conservadorismo católico gaúcho e seus porta-vozes: se a decisão pela retirada dos
crucifixos ou o fato dela ter resultado de uma iniciativa da Liga Brasileira das Lésbicas e de outras
entidades de defesa dos direitos de homossexuais"( no caso, SOMOS e NUANCES).
 
Há quem diga que a "tradição é um princípio que atua sempre em favor do bem comum e
que, por isso, deve ser observado incondicionalmente pelos legisladores e pelos operadores do
direito", afirma Sottomaior( 2012), quando ironiza as posições conservadoras no Rio Grande do
Sul, após a decisão histórica do Tribunal de Justiça- RS.
Em nome dessa tradição, "temas como direitos civis da população LGBT; estudo com
células embrionárias e células tronco; direitos sexuais e reprodutivos; debates de saúde pública,
como a distribuição de "pílulas do dia seguinte" ou insumos como camisinhas; a legalização do
 aborto e descriminalização da prática do aborto; a educação inclusiva ou para a diversidade;
campanhas públicas sobre saúde, educação, sexo seguro e combate às DST/HIV-AIDS têm sido,
sempre, pautadas e sujeitadas por esta moral religiosa, confundida ou revestida de estatal, que nos
faz recuar e retroceder em temas relevantes para toda a população"(LBL-RS,2012).
A fim de compreendermos o que a temática LGBT tem com a presença de símbolos
religiosos nos espaços públicos, ou com o preceito constitucional do Estado laico, cabe-nos á
referência ás cláusulas pétreas que têm os direitos e garantias individuais( CF, art. 60, § 4º, IV,1988)
 
como regramento legal no Brasil, onde  impessoalidade do Estado, e o princípio da igualdade (
CF, art. 19, 37 e 5º, 1988) devem ser garantidos pelo Estado Brasileiro que " tem o dever de
respeitar a todas e a todos, indistintamente, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação" (CF, Art. 3o. IV, 1988).
Segundo o deputado Jean Willis, o Congresso Brasileiro, hoje, está formado por três
setores distintos no que se refere às questões religiosas: as chamadas bancadas evangélicas, as
bancadas formadas por seguidores da igreja católica e os/as deputados/as que não querem
comprometer sua exposição ás questões da população LGBT, pois mantém seus apoios
vinculados/as aos setores conservadores da sociedade brasileira.
Nesse contexto, as demandas da comunidade LGBT ficam a mercê dessas bancadas, que
cumprem, em geral, o papel de guardiãs da família e da "moral brasileira". Propostas como o
Projeto de Lei Complementar nº 122, que propõe a criminalização da homofobia não saem dos
"armários" do Congresso, pois nenhum dos setores citados têm interesse em dialogar com a nossa
 
população, principalmente, não há interesse em publicizar esse debate frente à sociedade brasileira,
basta lembrarmos do episódio do kit gay, ocorrido em 2011, que mostrou as representações
tradicionais brasileiras prontas para cumprirem seus papéis.
Diante desse quadro, em que o Estado Brasileiro sofre a interferência das "denominações
religiosas"(J.C.Mello Filho, 2012) a população de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros no
Brasil enfrenta a homo, a lesbo, e a transfobia cotidianamente em suas vidas, com assassinatos e
ataques freqüentes em todo país.Como vimos em Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, o
menino de 15 anos, que ao assumir sua homossexualidade na Escola foi espancado, por um colega
de turma, nas ruas da cidade.
 
O ministro José Celso de Mello Filho (2012) afirma que "a atuação das denominações religiosas,
 
não podem sofrer ingerência do Estado, sob pena de a liberdade de religião expor-se a indevida
interferência do Poder Público". Compreendemos, portanto, que o inverso também é verdadeiro,
 não podemos aceitar que as decisões estatais sejam definidas, ou balizadas pelos preceitos religiosos;
pois como vimos, eles impedem os avanços no Brasil e a garantia de cidadania à todas as pessoas.
 Precisamos questionar a prática dos simbolismos cristãos, expressos no ordenamento democrático
da sociedade brasileira, ainda, mantidos pela tradição, que por sua vez, foi responsável por muito
 
"sangue, injustiça e intolerância" até a constituição da República Brasileira(Weissheimer, 2012).
Como sujeito político Lésbica, cabe lembrar que nossos direitos tem sido requeridos, nesse país,
pela via judiciária, pois é a instância a que recorrem todas as pessoas LGBT's que não têm no
cotidiano da vida o pleno exercício de cidadania, pois a mesma lhe é freqüentemente negada.
Desde o direito de ser chamada/o pelo nome social, até a possibilidade de adoção conjunta.
Portanto, é nesse cenário que postulamos o cumprimento da laicidade do Estado, onde todos/as de
fato e por direito sejam respeitados/as, independente, de cor, credo, religião, orientação sexual ou
identidade de gênero.
*ROSELAINE DIAS é integrante da Liga Brasileira de Lésbicas/RS  
 
 
BIBLIOGRAFIA
Marx, Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte(1869), primeira edição,São Paulo, editora Moraes , 1987.
 
Sottomaior, Daniel.
Crucifixos devem sair das repartições públicas. Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2012.
Weissheimer, Marco Aurélio.Essas lésbicas são terríveis!(Uma breve crônica sobre o Apocalipse).
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfmMello Filho, José Celso de.Ministro do Supremo Tribunal Federal .O Estado laico e os crucifixos na
Justiça gaúcha.Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2012.
Carta do Rio Grande do Sul Pelos Direitos Laicos,  Porto Alegre, 22 de março de 2012.
Programa SESC TV: "Histórias do Poder", São Paulo, 2000.
 
 
 

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