A 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio confirmou a
declaração de união homoafetiva entre as professoras Júlia e Valéria,
que viveram juntas por 11 anos, e reconheceu o direito de Valéria à
herança do único bem do casal, um apartamento em Campo Grande. Segundo
o desembargador Ferdinaldo Nascimento, para enfrentar essa questão,
não se pode desprezar os princípios da dignidade da pessoa humana, da
liberdade e da busca pela felicidade.
A autora da ação alega que, com a morte da companheira, em 07/11/1995,
em razão de um infarto fulminante, ficou em uma situação muito
difícil, uma vez que passou a sobreviver com um pequeno provento que
recebe como professora e somente dispõe do imóvel onde reside como
residência própria, não tendo qualquer amparo por parte dos familiares
da falecida.
Valéria afirma, ainda, que sempre foram aceitas em seu grupo de
convívio, inclusive pelos cunhados e outros membros da família. Elas
trabalhavam como professoras e dividiam as despesas do lar de acordo
com as suas possibilidades financeiras. Julia possuía maior renda, e
Valéria era a responsável pelos afazeres domésticos.
A sentença de 1º grau, do juízo da 3ª Vara Cível Regional de Bangu,
foi parcialmente procedente, reconhecendo a sociedade como união
homoafetiva e a parcela de apenas 20,62% do imóvel adquirido pelo
casal na constância da união. O pedido da autora relativo à herança
foi julgado improcedente e o dos réus, irmãos da falecida, que queriam
a fixação de uma taxa de ocupação do imóvel em questão foi também
julgado improcedente.
Os réus haviam alegado impossibilidade jurídica do pedido. Quanto a
essa questão, o desembargador Ferdinaldo Nascimento afirmou que embora
haja a ausência de lei que preveja o direito de herança entre pessoas
do mesmo sexo que estejam em união homoafetiva, descabe razão aos
réus, "pois, segundo a regra do art. 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil, sempre que houver omissão legislativa, cabe ao magistrado
decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito", explicou.
Segundo o magistrado, 50% do imóvel já pertencia à autora mesmo antes
do óbito de sua companheira. "Conforme se infere da certidão de ônus
reais acostada nos autos, o bem foi adquirido em partes iguais, na
razão de metade para cada uma, posto que as proprietárias não fizeram
constar percentuais diferenciados na ocasião do registro".
O desembargador afirma que a autora tem direito à totalidade da
herança deixada pela falecida, correspondente aos outros 50% do
imóvel. "Não podemos tratar a presente causa como mera sociedade de
fato, eis que Valeria e Julia não se uniram com affectio societatis e
sim a partir de laços de amor, afeto e intimidade com o único objetivo
de formar uma entidade familiar. A união que perdurou por longos anos
se sustentava no afectio maritaris, mesmo em se tratando de pessoas do
mesmo sexo", disse.
Proc. nº 0007309-38.2003.8.19.0204
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